Projecto: Abrir as portas ao sonho e à reflexão
Zé Pequeno
O rapaz era o Zé Pequeno. Um besnico. Bem proporcionado de corpo, tudo nos conformes, nenhum defeito, algumas qualidades, gentil, formoso, mas em ponto pequeno.
Claro que queria crescer. Na idade dele todos querem.
Dois aldrabões de feira, desses que andam de terra em terra a vigarizar ingénuos, souberam da vontade do moço e prometeram que o acrescentavam. Desse-lhes ele em troca o vitelo que, à conta do pai, trazia para vender.
Acertado o negócio, os aldrabilhas taparam os olhos ao Zé Pequeno e pôs-se um a puxá-lo pelos ombros e o outro pelos pés. Entretanto, iam dando estalos com a língua, a fazer de conta que eram os ossos do rapaz a dar de si.
No fim da operação, rebentaram com o chapéu de abas largas do Zé Pequeno e enfiaram-lho até ao pescoço.
— Repare que, dantes, nos dava pela cintura e agora está mais alto do que nós — dizia--lhe um dos vigaristas, agachado, a fazer de conta.
— Por enquanto, não olhe para baixo que sente vertigens — dizia o outro, de joelhos.
Foram-se embora com o vitelo, a rirem-se.
O rapazinho andou pela feira com a aba do chapéu enfiada até ao pescoço, que parecia um babete ou uma gola de fazer rir. À volta dele, riam-se, mas Zé Pequeno, muito empertigado, não dava troco. Até que percebeu, afinal, que continuava da mesma altura.
Correu, desesperadamente, atrás dos aldrabófonos. Pois sim. Onde é que eles já iam....
Mas não desistiu. Meteu por uns atalhos, correu que nem um danado e foi ter a uma curva da estrada, por onde haviam passado os finórios. Quando os viu, escondeu-se e, fazendo voz grossa pelo meio de uma cabaça, como se fosse altifalante, vociferou:
— Parem, em nome da lei. Eu, sargento Viçoso, sargento da Guarda Republicana, intimo-‑os a largarem o vitelo, senão disparo.
Eles, que tinham a consciência pesada, aterrorizaram-se, de mãos no ar, a tremer. Então o Zé Pequeno acertou uma pedrada num, acertou uma pedrada no outro e fê-los provar o pó da estrada. Com os dois homens desmaiados, estendidos à sua mercê, o rapaz era o mais alto. Recuperou o vitelo e voltou para a feira.
Feliz com o seu sucesso, sentia-se, subitamente, mais crescido. E até talvez estivesse. Era mesmo muito natural que, depois daquela aventura, tivesse dado um grande pulo.
António Torrado
www.historiadodia.pt
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Caros Professores,
Nestes tempos tão apressados, em que não há lugar para a reflexão e em que as preocupações materiais se sobrepõem ao prazer das coisas simples, a leitura de pequenas histórias, repassadas de humanidade e de beleza, pode contribuir de uma forma significativa, para um alargar de horizontes que a sociedade tem querido, por força, restringir às superficialidades e canseiras do dia-a-dia.
Da constatação deste facto, nasceu, na Escola Secundária Daniel Faria – Baltar, o Clube de Contadores de Histórias, com a finalidade de levar às diferentes turmas da referida escola histórias capazes de proporcionarem momentos de diálogo, de reflexão e de sonho, que tão necessários se tornam para a libertação de tensões e para o despertar do gosto pela leitura, da qual andam os jovens de hoje bastante alheados.
O projecto teve a adesão entusiasta de bastantes alunos, quer do Ensino Básico quer do Ensino Secundário, que se dispuseram a partilhar com os colegas a sua experiência de descoberta das pequenas histórias e do seu universo de valores. A tolerância e a generosidade, a delicadeza e a rectidão, o respeito pela Natureza, a capacidade de sonhar, são princípios que é necessário inculcar nos jovens, já que tantos se encontram à deriva numa sociedade que diz defender os direitos destes, mas que, na realidade, apenas pretende explorar as suas fragilidades com o fito do lucro. É confrangedor ver-se tantas crianças e adolescentes influenciados por programas televisivos francamente medíocres, quando se poderia optar por propostas de qualidade, capazes de promover os valores da verdadeira cultura, que é aquela que assenta no respeito por si próprio e no respeito pelos outros.
Cabe à escola tentar contrariar a vertente massificadora de certa comunicação social, incutindo nos alunos o gosto pela leitura e ajudando-os a crescer em sensibilidade. A violência na escola deve-se, em grande parte, a uma educação de natureza materialista, que tem descurado a formação do carácter em proveito de conteúdos muitas vezes estéreis. A pouca adesão dos alunos às matérias leccionadas é um sinal claro de que a escola necessita de mudanças, não no sentido das reformas educativas implementadas, quase sempre geradoras de instabilidade e de desorientação, e muito menos em nome de um economicismo que a nada leva, mas sim no sentido de promover os valores fundamentais do carácter, sem os quais nenhum ser humano poderá crescer em dignidade e em esperança: o espírito de diálogo e de solidariedade, a compaixão pelos que sofrem, a discrição e a simplicidade, em oposição ao exibicionismo tão em voga, a delicadeza e a compostura, a honestidade.
As pequenas histórias que o Clube de Contadores tem procurado divulgar no âmbito da escola, transmitem, de uma maneira simples e acessível às diferentes faixas etárias, esses mesmos valores, que um ensino de carácter demasiado informativo e tecnicista relegou para segundo plano e que uma sociedade baseada no princípio da aparência se tem encarregado de anular.
Na sequência disso, decidiu o referido Clube tornar o seu projecto extensivo não só aos professores da Escola Secundária – Baltar, mas também aos professores de outras escolas, na convicção de que as histórias partilhadas serão motivo de satisfação e de descoberta para quem as ler e ouvir, passando assim a ser enviadas por e-mail semanalmente. Gostaríamos muito que os professores que as receberem e as apreciarem procedam ao seu reencaminhamento, para que o maior número possível de pessoas venha a beneficiar com a sua leitura.
Gostaríamos também de receber as vossas opiniões sobre este projecto.
Certos do vosso melhor acolhimento
O Clube de Contadores de Histórias
eb1@contadoresdehistorias.com
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