À PARTIDA as crianças têm respeitinho. Respeitinho por tudo o que não lhes pertence, pela liberdade dos outros, pela dignidade humana, pela integridade física e por todos os direitos fundamentais que estejam em qualquer lista civilizada de direitos fundamentais.
À partida as crianças têm respeito por qualquer pessoa que seja mais alta, mais forte ou mais velha. E por quem tenha autoridade, direitos ou privilégios sobre ela.
Mas é só à partida. Logo ali, na casa da partida. Antes de os dados serem lançados. Porque logo a seguir, se quem manda não manda bem, se quem educa não dá o exemplo, se quem ensina não impõe regras e não dispõe de meios para as fazer cumprir, se quem brinca não o faz com gosto, se quem é mais velho se porta como uma criança, as crianças arrumam esse respeitinho chato e enfadonho bem lá no fundo da gaveta e esquecem-se de que alguma vez o conheceram.
É assim a vida do respeito: frágil. Ele tem mesmo de ser transportado com muito cuidado, e virado para cima, ou parte-se com uma simples queda ou empurrão. E uma vez em cacos, o respeitinho não consegue ser colado. Nem com cuspo, nem à força. O seu destino é o vidrão dos respeitos sem hipótese de poder vir a ser reciclado.
Desaparece, então, da vida das crianças. E depois, welcome to hell: ensinar, educar, brincar ou partilhar passam a ser desportos radicais só ao alcance dos mais audazes.
Do que o respeitinho precisa, meus senhores, não é de donos, é de quem o mereça receber. (Digo eu, que todos os dias me vejo às aranhas para não o partir).
Inês Teotónio Pereira
Jornalista
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